COMARCA DE EUCLIDES DA CUNHA
PA-20205/2013
Dr. Rômulo de Andrade Moreira, Procurador-Geral de Justiça Adjunto, formula representação com pedido cautelar de afastamento de magistrado do exercício das funções judicantes.
Representado: Dr. Luís Roberto Cappio Guedes Pereira.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Pedido Cautelar n.º 20205/2013 a ser apenso aos autos dos Processos Administrativos nº 10.595/2013 e nº 14.544/2013, nos quais figura como representante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA e representado o JUIZ DE DIREITO LUÍS ROBERTO CAPPIO GUEDES PEREIRA, titular da Vara Crime da Comarca de Euclides da Cunha.
Referendam os Desembargadores componentes do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em Sessão Plenária, por UNANIMIDADE de votos, em AFASTAR CAUTELARMENTE, pelo prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz de Direito DR. LUÍS ROBERTO CAPPIO GUEDES PEREIRA, bem como, determinar a instauração de incidente de insanidade mental em face do Magistrado, ordenando-se, ainda, ao Representado, que informe, no prazo de 05 (cinco) dias, à Corregedoria das Comarcas do Interior e em cada processo administrativo em curso, o endereço no qual pode ser localizado, para fins de citação ou intimação, sob pena de serem consideradas válidas as encaminhadas para o endereço constante no banco de dados deste Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, na sua falta, para o cartório da Comarca na qual é titular, pelos motivos seguintes.
Conforme visto nos relatórios, o Ministério Público do Estado da Bahia protocolizou petição requerendo o afastamento cautelar do Magistrado, bem como, a instauração de processo administrativo disciplinar pelo fato de o Representado, titular da Vara Crime de Euclides da Cunha, tratar de forma grosseira os promotores, advogados, autoridades policiais e os servidores, além de ter baixa produtividade.
Destacou que o Magistrado age em total desrespeito à própria função judicante e que os Promotores de Justiça se recusam a realizar audiência presidida pelo Representado.
Observou que Juiz de Direito é ríspido e utiliza palavras de baixo calão, chegando a jogar os autos de processos, com violência, sobre a mesa.
Asseverou que os servidores da comarca “morrem de medo do Juiz”, que o clima é de absoluta tensão, fazendo com que os mesmos utilizem de ansiolíticos para dormir em decorrência da relação com o Juiz, encontrando-se a escrivã afastada por problemas psicológicos.
Ressaltou que o Promotor de Justiça Marcelo Cerqueira César ao adentrar a sala de audiência da Vara Crime cumprimentou o Representado, tendo o mesmo respondido que o Promotor “não precisa vir para audiência. Não tem bom dia, não quero bom dia com você, seu covarde. Fale na minha cara. Ridículo, patético, falso. Eu li o parecer que você fez. Seu burro, você precisa voltar para a sala de aula e estudar um pouco mais. Vocês não vão conseguir me tirar daqui. Eu tenho muito a dizer contra a sua conduta. Vá falar com Rômulo. Vá falar com Luciano” (fls. 230).
Após se dirigir ao Promotor de Justiça “com berros e xingamentos, o Magistrado se reportou ao Oficial de Justiça que iria fazer o pregão da 1ª audiência gritando e jogou os autos com força, batendo no peito do Oficial de Justiça e os autos caíram no chão [...] que o Oficial de Justiça se abaixou, apanhou os autos do processo, estava trêmulo e com os olhos marejados”.
Transcreveu depoimentos em que consta que o “Magistrado já quebrou um telefone na sala de audiência”, destratou o Delegado de Polícia Miguel Vieira dos Santos Filho e se recusa a atender os advogados, tendo, inclusive, apertado um spray de SBP (inseticida) contra o Advogado, Dr. Jean Charles, mandando ele sair de seu gabinete.
Na sequência o Representante observou a baixa produtividade do Magistrado nos anos de 2010 e 2011, e que, em 2012, não realizou nenhuma sessão do Júri, bem como, não proferiu nem ao menos uma sentença.
Evidenciou que a falta de atuação do Representado propicia a impetração de habeas corpus, com a soltura por excesso prazal.
Requereu a instauração de processo administrativo disciplinar, em razão do descumprimento reiterado dos deveres funcionais de urbanidade e produtividade e postulou o afastamento cautelar visando à regularização do funcionamento das atividades da magistratura na Comarca de Euclides da Cunha, preservando os interesses dos jurisdicionados e da comarca como um todo.
Juntou certidões atestando a produtividade; solicitações da Promotoria de Justiça a fim de que o Magistrado promovesse o andamento de processos, em especial com relação aos réus presos; cartas, abaixo assinado e declarações de partes e familiares solicitando a interferência junto ao Magistrado para que analise os processos (réus presos); petições de habeas corpus formuladas pelo próprio Ministério Público em face ao excesso prazal; ofícios encaminhados ao Juiz de Direito da Vara Crime da Comarca de Euclides da Cunha; espelhos de movimentação de processo; certidão de ocorrência policial (224/227); ofícios dos Promotores de Justiça da região de Euclides da Cunha ao Corregedor Geral do Ministério Público descrevendo o comportamento do Magistrado e informando não possuírem condições de realizar audiência com o Juiz Criminal Luiz Roberto Cappio Guedes Pereira (fls. 228/232 e 237/239); declarações de servidores (fls. 233/236), dentre outros documentos.
A Juíza Corregedora apresentou pronunciamento às fls. 371/372, opinando pela necessidade de remessa ao Tribunal Pleno para julgamento do pedido de afastamento cautelar, nos termos do art. 15 e parágrafos da Resolução nº 135 do CNJ.
Certidão juntada às fls. 289, informa que o Juiz de Direito Dr. Luis Roberto Cappio Guedes Pereira figura como representado em 10 (dez) protocolos administrativos, todos em franca tramitação na Corregedoria das Comarcas do Interior, a saber: PA-61638/2012 (apensos 61113/2012, 66714/2012), PA-62343/2012 (apenso 71664/2012), PA-10993/2013, PA-8570/2013 (apenso 6510/2013), PA-13318/2013 (apenso 0009537-25.2011.805.0000-0), PA-7090/2013, PA-8911/2013, PA-11680/2013, PA-6924/2013, PA-6510/2013.
Anexou pronunciamento exarado no PA nº 10.595/2013 e PA nº 14.544/2013, os quais apuram os fatos delineados no presente protocolo administrativo, exceto o pedido cautelar de afastamento.
Considerando tratar-se de pedido cautelar, o Corregedor das Comarcas do Interior determinou a juntada de cópia dos despachos exarados nos protocolos administrativos supramencionados, os quais, dentre outras providências, ordenou a intimação do Magistrado para apresentar defesa prévia, conforme artigo 14, da Resolução n° 135, do Conselho Nacional de Justiça.
É o relatório.
Trata-se de análise de pedido cautelar de afastamento de Magistrado das funções judicantes, haja vista o comportamento incompatível com a posição que ocupa, tratando Promotores de Justiça, advogados, servidores, partes e autoridades policiais, sem a esperada urbanidade, bem como, pela baixa produtividade, que vem causando prejuízos aos jurisdicionados e à sociedade como um todo.
A Lei Orgânica da Magistratura (art. 35, IV), a Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia (art. 178, I e VII) e o Código de Ética da Magistratura (art. 22, caput e parágrafo único) são uníssonos ao afirmar que é dever de o Magistrado tratar a todos com presteza, urbanidade e cortesia.
No entanto, sem prejulgamento, verifica-se da prova documental acostada aos autos que o Juiz de Direito Luís Roberto Cappio Guedes Pereira tem praticado atos em total desrespeito aos ditames legais, inclusive com graves e irreparáveis prejuízos para a comunidade local.
A Comarca de Euclides da Cunha e seus jurisdicionados têm arcado com as consequências decorrentes do comportamento atribuído ao Magistrado, posto que a partir do momento em que todos os Promotores de Justiça da região se recusam a realizar audiências presididas pelo Representado, criou-se uma barreira intransponível para o prosseguimento de alguns feitos criminais e, por conseguinte, à própria prestação dos serviços públicos jurisdicionais.
No entanto, pelo relatado nos autos, a posição dos membros do parquet revela razoabilidade, pois, além de serem ameaçados e agredidos verbalmente pelo Magistrado, são obrigados a presenciarem agressões verbais e até físicas, praticadas pelo Magistrado contra os servidores da comarca.
Não é adequado o Magistrado utilizar termos grosseiros, chegando ao ponto de afirmar que o Promotor de Justiça é “burro”, “covarde”, “ridículo”, “patético”, “falso”, que precisaria “voltar para sala de aula e estudar um pouco mais”.
Inadmissível, da mesma forma, tratar os servidores e colaboradores aos gritos, xingamentos (“burra”, “incompetentes” (fls. 247)), jogando processos contra o corpo do servidor, levando uns a lacrimejar e outros a ter que fazer uso de medicamentos para controlar o estado emocional, além dos afastamentos para tratamento de saúde de ordem psicológica.
Consta das fls. 243, que “D. Zelinha, auxiliar de serviços gerais, cedida pela Prefeitura, se urinou no Fórum, na frente do Magistrado, devido aos gritos dele” (depoimento do advogado Dr. Altamir Eduardo Santana Gomes).
Nos depoimentos dos advogados verifica-se que o Magistrado não os atende em seu gabinete, chegando a empurrar um advogado e utilizar spray inseticida contra outro, visando que ambos saíssem de seu gabinete (fls. 247).
Analisando as informações prestadas pelo Magistrado em protocolo administrativo diverso (PA nº 10.595/2013 e PA nº 14.544/2013) verifica-se que a autoridade reconhece que alguns fatos aconteceram, mas dá interpretação diversa daquelas trazidas pelo Representante, Promotores de Justiça, servidores, advogados e autoridades policiais.
Com relação à produtividade do Representado, a prova documental, em realidade, lhe é bastante desfavorável, restando evidenciada a pouca atuação, com um total inexpressivo de 2 (duas) sentenças com resolução de mérito e 4 (quatro) sentenças sem resolução de mérito no ano de 2010; 2 (duas) sentenças com resolução de mérito e 1 (uma) sentença sem resolução de mérito no ano de 2011; zero sentença com resolução de mérito e zero sentença sem resolução de mérito no ano de 2012.
Assim, verifica-se que a Comarca de Euclides da Cunha encontra-se com juiz formalmente designado, no entanto, o acervo pendente denuncia uma possível falta de atuação efetiva, de modo que toda a sociedade fica prejudicada, em especial os réus presos, menores e idosos, que, não raro, necessitam de atuação jurisdicional eficaz e, muitas vezes, de forma urgente.
A denúncia da situação de insustentabilidade no local de trabalho com utilização de termos não polidos, gritos, descontrole, falta de respeito ao próximo, incivilidade, baixa produtividade, indica que o Juiz de Direito Luís Roberto Cappio Guedes Pereira, não tem condições, neste momento, de permanecer exercendo a magistratura, posto que em risco se encontram a saúde dos servidores, o trâmite dos processos e a liberdade de réus que não mais deveriam estar presos.
Em outras palavras, é grave a situação aqui constatada e relatada, a ponto de desafiar, deste Tribunal, medida suficientemente enérgica e imediata, mesmo que provisória, capaz de conter os riscos iminentes de ocorrências ainda mais preocupantes e severas, quiçá irreversíveis.
É certo, por outro lado, que, durante o curso das sindicâncias e eventuais processos administrativos disciplinares, serão devidamente assegurados o devido contraditório e a ampla defesa ao magistrado, bem como, serão colhidos os depoimentos e extraídas cópias dos processos judiciais referidos. No entanto, necessário se faz uma atuação de urgência deste Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Ademais, como forma de assegurar a absoluta imunização à eventual comprometedora influência do Magistrado no trâmite da instrução processual e oitiva de testemunhas, entende-se que o mesmo deve ser afastado cautelarmente do cargo.
Além disso, as condutas do Magistrado podem configurar, em tese, violação dos deveres previstos no art. 178, II, III e VII da Lei 10.845/2007, art. 35, I, II e IV da Lei Complementar 35/1979 e art. 1º, 3º, 20 e 22, caput e parágrafo único do Código de Ética da Magistratura Nacional, as quais serão devidamente apuradas nos protocolos administrativos próprios.
Diante da gravidade dos atos imputados ao Magistrado; da necessidade de complementar-se as provas e depoimentos; da possibilidade concreta de o Magistrado vir a influenciar na coleta das diligências essenciais; bem como, do comportamento incompatível com o exercício da função, colocando em risco a atividade judicante e a própria integridade física das pessoas que o rodeiam no ambiente de trabalho, necessário se mostra o afastamento imediato e acautelatório do representado das funções judicantes, pelo prazo de 90 (noventa) dias, o que se impõe, com amparo no art. 27, § 3º, da LOMAN, c/c o art. 15, § 1º da Resolução nº 135, do CNJ.
Importante destacar que, mesmo se afastado o abrigo legal supramencionado, permanece o dever deste Tribunal de Justiça em obedecer aos princípios da moralidade e eficiência (art. 7º da Lei de Organização Judiciária), sendo o afastamento preventivo medida excepcional que visa à preservação do interesse público, proferida contra Magistrado que possui nada menos que 10 (dez) protocolos administrativos em curso, estando dois deles em fase de intimação para oferecimento de defesa prévia, nos termos do artigo 14, da Resolução n° 135, do Conselho Nacional de Justiça.
Determina-se, por outro lado, a instauração de incidente de insanidade mental em face do Magistrado, posto que o mesmo tem adotado um modelo de comportamento não esperado, baseado no parâmetro do “homem médio”.
Ordena-se, por fim, ao Representado, que informe, no prazo de 05 (cinco) dias, à Corregedoria das Comarcas do Interior e em cada processo administrativo em curso o endereço no qual pode ser localizado para fins de citação ou intimação, sob pena de serem consideradas válidas as encaminhadas para o endereço constante no banco de dados deste Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, na sua falta, para o cartório da Comarca na qual é titular.
Cientifique-se o Magistrado do inteiro teor desta decisão, encaminhando-lhe cópia integral dos autos.
Intime-se o Ministério Público da decisão ora proferida.
Publique-se. Cumpra-se.
Secretaria da Corregedoria, 17 de abril de 2013.
Belª. Leila Lima Costa
Secretária da Corregedoria